domingo, 3 de janeiro de 2010

O menino dos tênis mágicos!


.Quando o conheci era ainda um menino, não passava de um menino.
Foi por essa época que resolveu sair...e foi. Nunca voltou, mesmo porque, acho que realmente nunca foi...ficou aqui dentro de mim...foi ficando.
Se armou de seus tênis mágicos, de sua mochila incrível, e foi...viajando.
Atravessou vários estados, estradas, vilas, tudo...foi, indo agora, embora ficando.
Nesse processo a transformação foi inevitável...de menino à homem, de homem à mulher e de mulher à menino novamente.
Nós não choramos a sua ida, ninguem chorou...nem rimos!
Apenas ficamos olhando ele ir pela estrada, acho que estava feliz...assoviava uma canção linda, um blues acho. E foi.
Conheceu tudo e todos e de tudo...e todos o chamavam...e ele foi indo, indo, indo até estar longe demais para atender a qualquer chamado...ele não me ouviu.
Conheceu tudo...Lexotan...tomou tudo...fumou...cheirou...bebeu...foi indo, foi.
E o blues rolando, assoviando...e indo. Se transformando. Indo e ficando.
Correu o mundo, atravessou pontes, pulou muros e enfrentou túneis.
E quando dançou conheceu um mundo novo...conheceu outros homens. Morreu por eles. Assoviando um Blues eu acho.
Quando a estrada se estendeu diante dele novamente já não era a mesma estrada.
Era uma estrada torta, cheia de curvas, subindo, curvas a direita e à esquerda, curvas, curvas,curvas, um caminho que nunca chegava, uma estrada que subia aos céus,descia ao inferno e por fim chegava ao seu coração.
De novo ele teve mêdo.
Novamente, teve mêdo...mas foi em frente. Assoviando um Blues, eu acho.
Um dia, sem mais, resolveu morar em uma nova cidade.
Talvez porque estivesse cansado, talvez justamente não estivesse, só resolveu. E lá ficou...
Tornou-se cidadão, um menino cidadão, um menino que calçava tênis mágicos, mas mesmo assim cidadão. Estabeleceu-se. Tornou-se cidadão, um menino cidadão. De tênis mágicos e mochila incrível.
Um dia alguns homens chegaram:
-Identifique-se, disse o policial.
-More, disse o prefeito.
-Trabalhe, disse o soldado.
-Ria, disse o palhaço.
-Ame, disse o idiota.
Ele foi embora de novo...pela estrada, assoviando um Blues , eu acho!
Na nova estrada se assustou...Encontrou muitas pessoas vindo em sua direção... expressões que ele nunca havia visto antes...olhos abertos, muito abertos, bocas abertas, muito abertas, passos rapidos, muito rapidos.
E ouviu muitas vozes...que diziam o mesmo: Mêdo, mêdo, mêdo...continuou, curioso, de onde vinham? milhares de pessoas, mêdo, mêdo...de onde?
Uma curva e o susto...Exércitos, enormes, feios, mutilados, exércitos...marchando, enormes , feios, mutilados...
Teve mêdo...exércitos.
Marchando juntos, camisas pardas, bigodes quadrados, juntos, botas, mêdo...e corpos.Juntos.
O corvo lhe contou sobre guerras, sobre homens que fazem guerras, sobre guerras que matam homens. E sobre o banquete farto do corvo...Banquete de homens, banquete de guerras, banquetes estúpidos, banquetes de guerras. O menino chorou...
eu também chorei...
A fogueira enorme, quente, enorme...judeus, orientais, gays, comunistas, socialistas, livros, canções, sonhos, de esquerda , de direita, crianças, velhos, homens, mulheres, estupidez, intolerância, poder...de quantas coisas são feitas a fogueira, a enorme fogueira da guerra?
Qual será o tamanho da fogueira que os homens precisam para aplacar seus mêdos, seus ódios...seus pesadêlos?
Canhões retumbavam, armas matraqueavam, pedras caiam e atingiam, tacapes, lanças, flechas, palavras, linguas...de quantas armas uma guerra precisa?
O corvo riu...farto de carne,farto de guerra, barriga cheia, mas nós choramos e ele nem assoviou um blues...acho que seria um Blues.Mas virou as costas ao horror e voltou pra estrada.Nem assoviou um Blues. Só foi...e chorou.
Aos poucos o sol foi voltando...bem aos pouquinhos, mas foi voltando.
Voltou, enfim.
O mar...que lindo!!!o mar se abriu na sua frente, gritou ondas, sorriu sóis, marolou seu nome...o mar...que lindo!!!
Serpentes marinhas, criaturas medonhas e lindas, sereias, tritões, mar...quanto mar, que lindo, estava no mar...finalmente.
Enorme se abrindo, enorme chamando, enorme...só pra ele, enorme o mar.
Através dele veria muito mais do mundo, seguiria em frente, andando por sobre as águas se por acaso ele não se abrisse...porque o mar as vezes se abre e dá passagem....mas se o mar não se abrisse, ele caminharia por sobre as águas...milagre.
Caminhou, assoviando um Blues, acho que era um Blues...sorrindo, finalmente.
Um milagre...
Caminhou sobre as águas...assoviando um Blues, eu acho que era um Blues...
E como o deus Cronos, sentou-se no topo da mais alta montanha do mundo e, com três rostos pôde finalmente ver. Viu que os homens construíram muitas coisas belas...só para destruí-las depois, esculpiram, pintaram, entalharam, talharam e depois, cuspiram, derrubaram, vomitaram e, quando perceberam, contruiram tudo de novo, e de novo, e de novo, e de novo.Constroeem até hoje e depois, cospem, derrubam, vomitam...
No outro lado olhou e viu...O sol estava lá...sempre lá, quente, lavoso, radioso e cheio de luz. Sentiu o calor nos seus ossos, fechou os olhos e continuou a ver e sentir, continuou a ter certeza que vivia e de tudo o que vivera até ali.
O sol, o sol estava ali e ele também.
No outro lado a lua, azul, bela e azul, riu quando percebeu que não era feita de queijo, de queijo são feitas as pizzas, não a lua...e sorriu. Junto com a lua havia estrelas, daquela que se fixam nos olhos quando estamos felizes ou amando, daquelas que os poetas fazem versos, daquela que saêm das bocas que beijam, viu a lua e viu estrelas...e sorriu.
A lua estava ali e ele também.
Hora de voltar, hora de estar de novo aqui...
Ele, o menino, seu tênis mágico e a sua mochila incrível...
Estão comigo os três, o menino, o tênis mágico e a mochila incrível.Estão comigo também as histórias que ele me conta. Pra eu dormir.
Me contou do mundo que viu, e me contou também do mundo que ele não viu.
Me contou das cidades, me contou do tanto de ordens que ouviu, e me contou que foi embora porque odiava ordens.
Da guerra ele não me contou, da guerra ele chorou e nessa noite nós não dormimos, nessa noite nós choramos, não dormimos. Tivemos pesadelos.
Me contou do mar e, de como ele deslizou por sobre ele com seus tênis mágicos e uma mochila incrível e uma prancha azul, maravilhosa.
Dos seres de sonho que habitam o mar, das sereias, das caravelas, das ondas, dos peixes, das caravelas, me contou do mar. Das criatura medonhas e lindas.
Me contou do sol, da lua...mas também não me falou dos homens que destroem...dizer o que?
Dizer nada, contar nada.
Ele habita aqui, bem dentro de mim.
De vez em quando eu olho dentro do armário e vejo seus tênis mágicos brilharem, pedindo para calça-los, para jogar a incrivel mochila nas costas e sair pelo mundo de novo...qualquer dia, quem sabe?
Nesse dia ele sairá pelo mundo de novo, com seu tênis mágico...
Sairá assoviando um Blues, tenho certeza que será um Blues...
Porque o Blues é azul, da cor do seu tênis, mágico e azul.
Como o Blues.

Luiz wood

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto.E o Blog está lindo também.
    Bjs

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  2. olá poeta...que delicia de texto...belissima a analogia q fazes em relação a nossos sonhos sonhados, a essas mil aspiraçoes q trazemos no mais recondito da alma...é mágico...é belo...diante dessa maravilha só posso dizer..."por favor um blues" pra refletir meu estado almal...beijos...to gostando e muito de seu blog...

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